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A propósito do Dia dos Pais

O segundo domingo de agosto costuma vir acompanhado de campanhas publicitárias e frases feitas enquanto vendem-se perfumes, relógios, ferramentas, camisetas. Mas, ao menos para a psicanálise, a figura do pai está longe de caber em slogans. E o Dia dos Pais, ao invés de reforçar uma imagem idealizada e genérica, talvez nos convoque a perguntar: qual é o lugar do pai na história de cada um de nós?


Desde Freud, a psicanálise compreende o pai não apenas como presença física, mas como função simbólica — aquela que introduz a lei, o limite, a separação, e com isso possibilita o acesso à linguagem e ao desejo. É essa função que marca o fim da fusão com a mãe e permite que o sujeito emerja como um ser em relação com o mundo. Em sua leitura mítica da cultura, Freud aponta o pai como figura interditora do gozo materno e instauradora da norma. Mas esse pai é, antes de tudo, uma construção da fantasia do sujeito - pai desejado e assassinado, temido e idealizado, ausente e central.

Lacan e Winnicott, dentre outros, também falaram da importância do pai, não só como alguém que está lá, mas como alguém que sustenta, que apoia, que ajuda a criar um ambiente emocional seguro. Mesmo que, no começo da vida, o bebê esteja muito ligado à mãe, o pai tem um papel fundamental: ele é quem ajuda a tornar possível essa relação, quem oferece uma presença diferente, quem mostra que há um mundo além da fusão inicial. Um pai que está disponível para ser fantasiado, contestado, até odiado nas brincadeiras e nos sentimentos da criança — e que ainda assim permanece — ajuda o filho a crescer com mais segurança e liberdade.

Mas nem todos tiveram um pai assim.


O Dia dos Pais, muitas vezes, escancara essa ausência. Para além da celebração normativa e culturalmente exaltada, a data pode tocar lugares de dor: O luto recente ou antigo por um pai morto. A ferida deixada por pais que nunca estiveram presentes. A confusão emocional diante de pais ambivalentes, violentos ou emocionalmente inacessíveis. A ausência simbólica de um pai que, mesmo vivo, nunca pôde ser usado - como diria Winnicott - porque não se deixou odiar, nem amar, nem disputar.

E, ainda assim, há aqueles que encontraram essa função em outras figuras: mães, avós, padrastos, amigos. Porque a função paterna não é exclusivamente masculina nem biológica. Ela é relacional, contextual e simbólica. Pode ser exercida por quem introduz o limite, promove a separação e sustenta a subjetivação.


No campo da clínica e da cultura, estamos diante de um desafio: reformular nossos modelos sem perder o que eles ainda nos ajudam a pensar. As novas configurações familiares — homoparentais, reconstituídas, monoparentais — têm nos mostrado que a triangulação edípica não depende da estrutura tradicional pai-mãe-filho, mas da existência de um terceiro que funcione como limite e alteridade. A função terceira, estruturante, pode ser exercida por qualquer figura que viabilize a entrada da criança na cultura e a simbolização da diferença.

Portanto, a propósito do Dia dos Pais, não se trata apenas de homenagear, mas de pensar. De elaborar o que foi possível, o que não foi, e o que ainda pode vir a ser. De reconhecer o lugar da função paterna sem naturalizá-la como propriedade de um gênero ou de um modelo familiar. E, principalmente, de dar lugar ao que cada sujeito viveu — com ou sem pai, com ou sem palavra para nomeá-lo.


Porque para muitos, o verdadeiro presente nesse dia é o direito de não celebrar. É o direito de elaborar uma história própria, marcada por rupturas, reelaborações e invenções. E isso, sim, pode ser um ato profundamente ético — e psicanalítico.


 
 
 

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