MÃE, por um fio
- fernandacruz2
- 10 de mai.
- 3 min de leitura

Por Fernanda Cruz, psicóloga e psicanalista
Na imagem de Anna Maria Maiolino (1976), a artista, sua mãe e sua filha estão ligadas por um barbante que sai da boca de cada uma. Um fio tênue, mas persistente, que atravessa gerações. três mulheres: mãe, filha, avó. Unidas por um fio que sai da boca como quem cospe um segredo ou engole uma história. Um fio que diz do enlaçamento, mas também daquilo que nos escapa.
Feito laço e limite.
Palavra e silêncio.
Presença e rasura.
Há ali uma narrativa que atravessa o tempo. Três gerações alimentadas pelo fio da palavra. Cada uma herda e transforma o que da outra foi dito, não dito, mal dito.
É no entre-gerações que se inscreve a marca de uma transmissão, do desejo, da escuta, da falta. Porque no ventre da linguagem também se gesta um sujeito.
Na psicanálise, sabemos: o sujeito se constitui no campo do Outro. E é nesse campo — muitas vezes encarnado pela figura materna — que começa a aventura de nos tornarmos desejantes. A mãe, então, mais do que um corpo biológico que gesta, é a primeira figura de alteridade com quem nos enredamos.
A imagem de Maiolino pode ser interpretada como uma representação visual desse entrelaçamento de desejos e identidades. O fio que conecta as três mulheres pode simbolizar a cadeia significante que atravessa gerações, onde o desejo é transmitido, mas também onde se inscrevem as faltas e os limites.
A função materna não é sobre parir — é sobre significar.
Não há maternidade sem linguagem. Não há amor sem falta. E não há relação mãe-filho sem ambivalência. É por um fio que nos tornamos sujeitos. Por um outro que nos olha, nos deseja, nos faz existir como falta. Esse outro é função materna.
Mas ser mãe não é dom. Não é instinto. Não é entrega cega. É função. É linguagem. É presença que se autoriza a faltar — um pouco — para que o filho deseje.
Desidealizar a maternidade é libertar mães e filhos.
É reconhecer que amar um filho não é garantir-lhe tudo, mas poder lhe faltar — o suficiente para que ele deseje. É acolher a frustração, própria e alheia. É aceitar que, mesmo com amor, falhamos — e ainda assim seguimos.
O fio que une mães e filhos não é só de ternura; é também de silêncio, de conflitos, de mal-entendidos. É vacilante. E tudo bem. É esse fio, imperfeito e singular, que nos faz humanos.
Por isso, neste Dia das Mães, talvez seja tempo de romper com o romance idealizado e produzido culturalmente a partir do logro de que a maternidade é feita apenas de plenitude e renúncia. Aquela história que nos vende uma mãe toda amor, toda doação, toda ausência de desejo próprio — e que, não raro, sufoca quem a exerce e quem dela espera demais.
Celebrar a função materna é reconhecer a mulher que existe antes e além da mãe. É desatar o nó da idealização para deixar espaço ao laço possível.
Àquilo que pulsa entre o amor e a exaustão,
entre o colo e o corte,
entre a doação e o desejo próprio.
Por um fio, seguimos. E que esse fio não estrangule, mas costure histórias possíveis entre mães e filhos — reais, falhos, vivos.
Feliz Dia das Mães, não pelo papel que se espera, mas pelas histórias reais que nos tecem.
"Por um fio" (1976) de Anna Maria Maiolino. Trata-se de uma fotografia da série "Fotopoemação", na qual a artista aparece entre sua mãe e sua filha, todas conectadas por um fio que sai de suas bocas. Essa imagem potente simboliza a transmissão de afetos, saberes e também de silêncios entre gerações de mulheres.
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