Por Fernanda Cruz, psicóloga e psicanalista
Artigo publicado no caderno Ciência e Saúde do Jornal O Povo, em 29/09/2024
Como parte do calendário nacional de campanhas, “Setembro Amarelo” cumpre seu papel ao abordar a pauta da saúde mental e da prevenção do suicídio, concentrando ações antiestigma, preventivas e de conscientização. Todavia, promover orientações e difundir informações não serão suficientes para lidar com as múltiplas facetas do fenômeno.
O suicídio é um ato unicamente humano que expõe a condição originária do que temos de mais trágico. É uma tarefa que exige cuidado com o tratamento público da matéria e não apenas o cumprimento de uma agenda.
Consideremos, por exemplo, a complexidade de abordar o luto por suicídio: marcado por sentimentos intensos e ambivalentes de amor e ódio, muitas vezes não é reconhecido em campanhas que tendem a simplificar a experiência emocional.
A compreensão sobre vida, morte e suicídio varia conforme o contexto histórico e cultural. Atualmente, o suicídio e o luto (quando prolongado) são frequentemente vistos como patologias e passaram aos cuidados da psiquiatria, assim como a maioria de nossos afetos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que 90% dos suicídios estão associados a distúrbios mentais e poderiam ser evitados se as causas fossem tratadas corretamente, embora o fenômeno seja multicausal e a saúde mental exista em um continuum complexo. Devemos levar em conta esses dados importantes, mas não nos contentar tacitamente com eles, sob pena de cairmos em uma atuação reducionista, desastrada e, por vezes, desastrosa.
O luto por suicídio é marcado por sentimentos de culpa e implicação que recaem sobre os sobreviventes. A forma como a cultura lida com o fenômeno do suicídio tem um grande peso para o enlutado. Eles frequentemente enfrentam questionamentos sobre sinais não percebidos e medidas não tomadas; sinais que muitas vezes só são entendidos como tais depois da passagem ao ato.
A morte por suicídio traz dois tipos de luto: pelo indivíduo que falece e o luto de si mesmo pela fantasia de não ter sido capaz de sustentar a vida daquele que escolheu morrer.
No entanto, a morte não elimina completamente o sujeito; a pessoa que se mata leva consigo segredos e deixa herdeiros. Ficam os rastros de uma existência, vivências e uma biografia. Freud descreve o luto como um trabalho longo, baseado em memórias e palavras. Construir uma narrativa para o estado bruto do evento não é para dar sentido à morte, mas para dar sentido à vida é o trabalho de elaboração do luto.
A abordagem ao suicídio e ao luto por suicídio deve partir da compreensão de que não há campanha, protocolo ou ação que responda coletivamente. Trata-se mais de desconstruir o tema do que de construir uma episteme específica, que pode se mostrar limitada. É necessário considerar quais intervenções em suas diferentes escalas podemos sustentar para prevenção, tratamento e pós-venção com pessoas em urgências subjetivas e seus familiares. Que o tratamento (no sentido filosófico) esteja fundamentado pela ética do cuidado.
Vale a pena o esforço para deixar de lado os aspectos morais e religiosos — e, atualmente, a pressa em diagnosticar e aplicar protocolos. Se não souber o que dizer, não diga nada; não ofereça conselhos nem soluções. O luto não é para ser solucionado. Diga apenas: “Eu sinto muito.” O suicídio pode acontecer com qualquer pessoa e em qualquer família.
Se precisar, peça ajuda!
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